Defensoria Pública RJ: relatório mostra que escolas não incluem crianças com deficiência


“Já é a terceira escola em que meu filho é matriculado esse ano, pois as anteriores alegaram não ter apoio adequado para ele e simplesmente encerraram a matrícula. (…) Quando ele sai de uma escola, eu como mãe sinto que é como se os funcionários falassem ‘que alívio, nos livramos de um problema’. Mas meu filho não é um problema”.

Com base na contribuição de 830 mães, pais e responsáveis, a Defensoria Pública do Rio produziu o relatório “Informações de familiares sobre as dificuldades de acesso à educação para as pessoas com deficiência”, que reforça a importância de atuação extrajudicial e judicial para a garantia do direito dessas meninas e meninos ao ensino inclusivo e de qualidade.  

Apenas no primeiro semestre desse ano, a Defensoria ingressou com 1.066 pedidos relacionados especificamente à mediação escolar para crianças e adolescentes com deficiência em vários municípios. 


Além de dados, o relatório sobre as dificuldades de acesso à educação de meninos e meninas com deficiência reúne depoimentos indignados sobre as muitas e variadas violações de direitos impostas a esses estudantes.

“Minha filha é portadora do TEA nível leve e TDAH, por isso não consegue sozinha acompanhar a turma e manter o foco por mais de alguns minutos, prejudicando, assim, o aprendizado num ano tão importante que é o da alfabetização. As crianças da turma já conseguem ler, e ela nem sequer junta as sílabas”.  

O relatório é resultado do trabalho da Ouvidoria-Geral Externa e do Núcleo de Atendimento à Pessoa com Deficiência (Nuped) da Defensoria.  As principais queixas colhidas pelo levantamento são relativas à falta de profissional de apoio escolar, com 476 menções, e falta de adaptação curricular para aluno com deficiência, com 260 ocorrências. 


Campanha pela inclusão

—  O resultado da pesquisa corrobora o que vemos no dia a dia dos Núcleos de Primeiro Atendimento: Estado e municípios ainda não se adaptaram aos ditames da LBI e das normas relativas a educação inclusiva. Isso reflete o capacitismo que permeia nossa sociedade. Não é possível mais admitir uma escola que não promova adaptações razoáveis ou ofereça apoios necessários aos estudantes com deficiência. Após a edição da Convenção Internacional esse é o parâmetro que deve ser seguido, ou seja, escola inclusiva, com adaptações, bem como a disponibilidade de apoios, caso necessário— destaca a coordenadora do Nuped, defensora pública Marina Lopes. 

“Eu vejo que a escola se esforça, mas ainda faltam algumas questões. Por exemplo: minha filha come uma parte da comida via oral (papinha batida) e uma parte via sonda de gastronomia GTT (que é segura e qualquer pessoa pode operar se aprender). As pessoas têm medo de oferecer alimentos em qualquer uma dessas opções. Para minha filha não ficar com fome, eu tenho que me ajustar pra ir na escola dar a comida.”

Também foram citados problemas como falta de mediador, falta de intérprete e instrutor de Libras e Braille, falta de sala multifuncional e de material adaptado à necessidade do aluno com deficiência.  
    
As informações colhidas dão conta da situação em escolas de 49 dos 92 municípios do estado. Mais da metade (53,2%) das contribuições são de familiares ou de alunos e alunas do município do Rio (53,2% dos municípios do Rio de Janeiro). 

“A carga horária é reduzida, uma hora por dia. Porém não é feito um trabalho efetivo, não há material adaptado. Fiz a compra de um adaptador de lápis por pedido da professora, porém ela não faz uso. Não existe prancha de comunicação, uso de sala de recurso ou provas adaptadas”.

O tipo de deficiência das crianças e adolescentes mais citado por quem colaborou com o levantamento foi o Transtorno do Espectro Autista (TEA), com 398 registros. Deficiência mental, em diferentes níveis, foram citadas em 335 respostas.  Deficiência física, visual e auditiva somam 119 casos. 


Parceria para colher informações

Em 131 registros, a deficiência da criança ou adolescente é Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), e há inclusive queixas de familiares de meninos e meninas com superdotação/altas habilidades (oito ocorrências).

As respostas abrangem alunos e alunas com deficiência de um ano a 18 anos de idade, sendo que a maior parcela na faixa entre 7 e 10 anos (32,4%; entre 4 e 6 anos (26,8%); e entre 11 e 15 anos (22,3%).  

A grande maioria de quem participou do levantamento estuda ou convive com criança ou adolescente que estuda na rede pública municipal (77,2% dos casos). 

“Horário reduzido, a escola funciona das 7h15 até 12h. Já o meu filho só tem permissão para entrar às 8h, e é dispensado às 11h30, perdendo assim três aulas todos os dias. Não tem nenhum material adaptado, dificultando o seu aprendizado. Não tem livro de nenhuma matéria. A sala de recursos só é uma sala qualquer, não tem atividades de aprendizagem, (…) Meu filho é campeão das Olimpíadas de Matemática do Rio de Janeiro, mesmo assim não tem nenhum incentivo nos estudos.”

Todos os dados e depoimentos foram colhidos entre 23 de junho e 20 de agosto último, pela Ouvidoria, com a ajuda de entidades parceiras da Defensoria em todo o estado.

—  As informações nos chegaram principalmente por meio da rede que integra o Programa Acesso à Justiça nos Territórios, formada por pessoas que atuam em periferias, onde os serviços públicos são ausentes ou sucateados — explica o ouvidor-geral, Guilherme Pimentel. 

“Matheus está afastado de sala de aula (turma regular) desde o ano de 2020 por falta de professor de apoio especializado. Frequenta apenas sala de recursos duas vezes por semana por 50 minutos, e só. A escola há anos não encontra uma solução e só pede que eu aguarde. Mas quem sai prejudicado é o meu filho, que está quase entrando na adolescência e nem foi alfabetizado.”

A produção do relatório conjunto Ouvidoria/Nuped contou com o apoio da coordenação dos Núcleos de Tutela Coletiva da Defensoria Pública, da Associação das Defensoras e Defensores do Rio de Janeiro e da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos.

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